Nota de repúdio às tramitações legislativas LGBTQIA+fóbicas no território catarinense e em defesa dos direitos humanos das pessoas LGBTQIA+

Nota de repúdio às tramitações legislativas LGBTQIA+fóbicas no território catarinense e em defesa dos direitos humanos das pessoas LGBTQIA+

Leia a Nota em PDF

O Conselho Regional de Psicologia de Santa Catarina – 12a Região, autarquia de Direito Público que tem a finalidade de orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão, zelando pela fiel observância dos princípios de ética e disciplina da classe (Lei 5.766/1971),por meio da Comissão de Direitos Humanos (CDH) e da Comissão de Gênero e Sexualidades (CGS), vem a público manifestar repúdio às tramitações legislativas LGBTQIA+fóbicas que estão sendo intensificadas no território catarinense.

 

A luta pela garantia de Direitos Humanos para a população LGBTQIA+ que se constroi cotidiana e intensamente em nível municipal, estadual e federal através de grupos e organizações sociais, sofre ataques que objetivam deslegitimar as pautas comprometidas socialmente. De forma contextualizada, destaca-se que no ano corrente surgiram agravantes de casos de violências direcionadas à população LGBTQIA+ e pessoas aliadas, como manifestado pela Nota de Repúdio às Violências Transfóbicas, elaborada por este plenário em 25 de março de 2024.

Mais recentemente, tornou-se de conhecimento deste Conselho por meio da União Nacional LGBT (UNALGBT) de Chapecó/SC, a elaboração e aprovação de projetos de lei que visam cercear os direitos da população, a saber:

 

1) Lei Municipal no 7.948/2023 – “Lei da Justa Competição no Esporte”, estabelecendo o sexo biológico como critério exclusivo para definição de gênero em competições esportivas oficiais, amadoras ou profissionais no Município de Chapecó.

 

A Nota Técnica no 5/2024 CGDLGBTQIA+/DLGBTQIA+/SLGBTQIA+/MDHC evidencia a incompetência municipal para editar leis próprias sobre desporto, principalmente aquelas que inovam em desacordo com os diplomas legais federais, como a Lei n° 9.615/1998 (Lei Pelé), que institui normas gerais sobre o desporto, e a Lei no 14.597/2023, que é a Lei Geral do Esporte. Portanto, a Lei Municipal, ao determinar parâmetros excludentes, como o sexo biológico como critério exclusivo para definição de gênero em competições esportivas, promove intervenção inconstitucional em temáticas que não são de sua competência, além de apresentar oposição às normas constitucionais e infraconstitucionais sobre a matéria. Ainda, a discriminação contra pessoas LGBTQIA+ foi declarada como estrutural e incompatível com o Estado Democrático de Direito pela Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão no 26 e Mandado de Injunção no. 4733.

 

Também a Ação Direta de Inconstitucionalidade no 4.275, na qual o Supremo Tribunal Federal (STF) fixou o entendimento de que as pessoas transgêneras têm o direito à alteração de seu prenome e gênero no registro civil mesmo sem a exigência de alterações corporais ou autorização judicial. Ademais, vai contra as orientações normativas do próprio Comitê Olímpico Internacional (COI) que, em Diretrizes Específicas, emitidas no dia 16/11/2021, consta o chamado Princípio de Não Presunção de Vantagem, onde nenhum atleta deve ser impedido de competir ou deve ser excluído da competição com “base em uma vantagem competitiva injusta não verificada, alegada ou percebida devido a suas variações de sexo, aparência física e/ou status de transgênero”. Desse modo, a Lei Municipal no 7.948/2023 apresenta uma prática discriminatória quanto à identidade de gênero nas competições esportivas, uma vez que exclui as pessoas trans do esporte, indo contra o dever ativo do Estado em promover a inclusão das diversidades sexuais e de gênero, já que o direito ao esporte consiste na exigência de um tratamento sem discriminação negativa de ódio, assegurando a concretização material da equidade e reconhecimento histórico de identidades subjugadas injustamente por setores hegemônicos.

 

2) Lei Municipal no 8.023, de 13 de março de 2024 – Garante a templos, escolas públicas, particulares, confessionais e instituições mantidas por entidades religiosas a atribuição do uso de seus banheiros de acordo com a definição biológica de sexo. Trata-se de lei inconstitucional, com base no princípio da igualdade, localizado no artigo quinto da Constituição Federal: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. O Supremo Tribunal Federal (STF) definiu na Ação Direta de Inconstitucionalidade no 4.275 que “a identidade pessoal, que compreende a identidade sexual e de gênero, é um dos direitos fundamentais da pessoa humana”. Ainda, esta lei municipal fere a Resolução n° 12, de 16 de janeiro de 2015 do Conselho Nacional de Combate à discriminação e promoções dos direitos de lésbicas, gays, travestis e transexuais – CNCD/LGBT, a qual estabelece parâmetros para a garantia das condições de acesso e permanência de pessoas travestis e transexuais – e todas aquelas que tenham sua identidade de gênero não reconhecida em diferentes espaços sociais, formulando orientações quanto ao reconhecimento institucional da identidade de gênero e sua operacionalização. O Art. 6° desta resolução preconiza que deve ser garantido o uso de banheiros, vestiários e demais espaços segregados por gênero, quando houver, de acordo com a identidade de gênero de cada sujeito. Ainda, as diretrizes firmadas pelo STF, na ADPF n. 132, exigem que os direitos fundamentais de dignidade humana, privacidade, liberdade e igualdade estejam livres de discriminação por identidade de gênero e afasta binarismos de gênero nutridos por percepções simplistas, superficiais e preconceituosas sobre sexo e sexualidade.

 

3) Projeto de Lei no 266/2023, aprovado em 6 de maio 2024 – Proíbe a participação de crianças em paradas gays e eventos similares, no âmbito do município de Chapecó. O projeto de lei aprovado viola preceitos fundamentais de reprodução obrigatória nas constituições estaduais, além de exorbitar a competência municipal em legislar sobre assuntos de interesse local e suplementar a legislação federal e a estadual. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) garante à criança e ao adolescente o direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis (art. 15), além de garantir-lhes, também, direito de participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação (art. 16), e acesso às diversões e espetáculos públicos classificados como adequados à sua faixa etária, inclusive as crianças menores de dez anos poderão ingressar e permanecer nos locais de apresentação ou exibição quando acompanhadas dos pais ou responsável (art. 75). Viola também os Princípios de Yogyakarta, sobre a aplicação da legislação internacional de direitos humanos que preconiza “diversas orientações sexuais e identidades de gênero”.

 

O Sistema Conselhos de Psicologia reafirma os direitos humanos das pessoas LGBTQIA+ e a não patologização das orientações sexuais, identidades de gênero e expressões de gênero, alinhada ao Código de Ética do Psicólogo, as Resoluções CFP no 01/1999, 01/2018, 08/2020 e 08/2022 e das Referências técnicas para atuação de psicólogas, psicólogos e psicólogues em políticas públicas para população LGBTQIA+ (CFP, 2023). Esses documentos têm um valor não apenas normativo e regulamentador sobre as práticas e condutas profissionais, mas, sobretudo, um peso simbólico, ético e político, tanto para a categoria profissional como para o restante da sociedade.

 

Defende a ética despatologizante, não medicalizante, antidiscriminatória e não estigmatizante em relação às diversas orientações sexuais e identidades de gênero, manifestando que: a) As homossexualidades, bissexualidades e não monossexualidades não constituem transtornos mentais, psicopatologias e/ou doenças; b) As transexualidades, travestilidades e outras formas de expressões e identidades de gênero não cisgêneras não constituem transtornos mentais, psicopatologias e/ou doenças; c) As homossexualidades, lesbianidades, bissexualidades, transexualidades, travestilidades e demais expressões da sexualidade e do gênero que escapam do padrão cisheteronormativo devem ser compreendidas como variações legítimas da experiência humana no campo da sexualidade e do gênero. (CFP, 2023).

 

A orientação sexual, a identidade de gênero e a intersexualidade pressupõem determinantes sociais da saúde que se constituem como fatores de vulnerabilidade, decorrentes do processo de discriminação, preconceito e exclusão social a que estão expostas as pessoas LGBTQIA+. É imprescindível promover a articulação da rede, na perspectiva de garantir a intersetorialidade das políticas no âmbito da atenção psicossocial e dos direitos humanos da população LGBTQIA+.

 

Cabe ao Estado democrático assumir a responsabilidade de implementar políticas públicas que tenham como foco a população LGBTQIA+, com vistas a promover a cidadania, com respeito às diversidades. Desta forma, reforçamos o histórico compromisso ético e político da psicologia em relação aos direitos da população LGBTQIA+.

 

REFERÊNCIAS: 

Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1990.

Brasil. Lei 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 16 jul. 1990.

Conselho Federal de Psicologia (CFP); Conselhos Regionais de Psicologia; Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas Pública. Referências técnicas para atuação de psicólogas, psicólogos e psicólogues em políticas públicas para população LGBTQIA+. Brasília: CFP, 2O23. Disponivel em: https://site.cfp.org.br/publicacoes/referencias-tecnicas-crepop/

Conselho Federal de Psicologia (CFP). Código de ética profissional do psicólogo. Brasília, DF: [s.n.], 2005. Disponível em: https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2012/07/codigo-de-etica-psicologia.pdf

Conselho Federal de Psicologia (CFP). Resolução no 8/2022. Estabelece normas de atuação para profissionais da psicologia em relação às bissexualidades e demais orientações não monossexuais. Brasília, DF: [s.n.], 2022. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/resolucao-n-8-de-17-de-maio-de-2022-401069557

Conselho Federal de Psicologia (CFP). Resolução CFP no 001/1999, de 22 de março de 1999. Estabelece normas de atuação para os psicólogos em relação à questão da Orientação Sexual. Brasília, DF: [s.n.], 1999. Disponível em: https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/1999/03/resolucao1999_1.pdf

Conselho Regional de Psicologia de Santa Catarina (CRP-12). CRP-12 manifesta repúdio às violências transfóbicas presentes na sociedade. Disponível em:
https://site.crpsc.org.br/crp-12-manifesta-repudio-as-violencias-transfobicas-presentes-na-sociedad/

International Olympic Committee (IOC).Framework on Fairness, Inclusion and Non-Discrimination on the Basis of Gender Identity and Sex Variations. Disponível em: https://stillmed.olympics.com/media/Documents/Beyond-the-Games/Human-Rights/IOC-Framework-Fairness-Inclusion-Non-discrimination-2021.pdf

Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania; Secretaria Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+. Nota Técnica no5/2024/CGDLGBTQIA+/DLGBTQIA+ / SLGBTQIA+/MDHC. Disponível em: https://drive.google.com/file/d/1rVr9LqVWKhpK3X6MvDJDVHv1QUJ7UnII/view?usp=sharing

PRINCÍPIOS DE YOGYAKARTA. 2006. Disponível em: https://www.clam.org.br/uploads/conteudo/principios_de_yogyakarta.pdf

Secretaria dos Direitos Humanos; Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais. Resolução no 12, de 16 de Janeiro de 2015. Disponível em: https://www.gov.br/mdh/pt-br/acesso-a-informacao/participacao-social/old/cncd-lgbt/resolucoes/resolucao-012

Supremo Tribunal Federal (STF). Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão no 26 e Mandado de Injunção no. 4733. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4515053

Supremo Tribunal Federal (STF). Ação Direta de Inconstitucionalidade no 4.275. Disponível em: https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI4275VotoGMTransgneros.pdf

Supremo Tribunal Federal (STF). Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=628633&pgI=246&pgF=25

Compartilhe!
wpChatIcon
Pular para o conteúdo